Entrevista da SPIEGEL com Especialista em Economia Africano em http://www.spiegel.de/international/spiegel/0,1518,363663,00.html
O Especialista em Economia Queniano, James Shikwati, 35 anos, afirma que a ajuda à África faz mais mal que bem. O ávido proponente da globalização falou com a SPIEGEL sobre os efeitos desastrosos da política de desenvolvimento ocidental em África, líderes corruptos e a tendência de sobrestimar o problema da SIDA:
SPIEGEL: Sr. Shikwati, o comité G8 em Gleneagles está prestes a aumentar a ajuda para o desenvolvimento em África...
Shikwati: ... por amor de Deus, por favor limitem-se a parar.
SPIEGEL: Parar? As nações industrializadas do Ocidente querem eliminar a fome e a pobreza.
Shikwati: Intenções como essas têm danificado o nosso continente nos últimos 40 anos. Se as nações industrializadas querem realmente ajudar os Africanos, elas deviam pôr fim finalmente a esta ajuda horrível. Os países que têm vindo a receber mais ajuda para o desenvolvimento são também aqueles que estão em pior estado. Apesar dos biliões que têm despejado em África, o continente permanece pobre.
SPIEGEL: Você tem uma explicação para este paradoxo?
Shikwati: Burocracias enormes são financiadas (com o dinheiro da ajuda), corrupção e complacência são promovidas, os Africanos são ensinados a ser pedintes e não a ser independentes. Adicionalmente, a ajuda para o desenvolvimento enfraquece os mercados locais em todo o lado e silencia o espírito de empreendedorismo que nós tão desesperadamente precisamos. Por mais absurdo que soe: a ajuda para o desenvolvimento é uma das razões para os problemas de África. Se o Ocidente cancelasse esses pagamentos, os Africanos normais nem se aperceberiam. Só os funcionários seriam duramente atingidos. E é por esta razão que eles afirmam que seria o fim do mundo se a ajuda para o desenvolvimento parasse.
SPIEGEL: Mesmo num país como o Quénia, há pessoas a morrer de fome todos os anos. Alguém tem que os ajudar.
Shikwati: Mas têm que ser os próprios Quenianos a ajudar essas pessoas. Quando há uma seca numa região do Quénia, os nossos políticos corruptos reflexivamente imploram por mais ajuda. Este apelo chega ao Programa Mundial de Comida das Nações Unidas, uma agência massiva de "apparatchiks" que estão na absurda posição de, por um lado, estarem dedicados à luta contra a fome e, por outro lado, terem que enfrentar a perspectiva de desemprego se a fome fosse de facto eliminada. É apenas natural que eles aceitem de bom grado o apelo por mais ajuda. Então eles reenviam o pedido para a sua sede, e pouco tempo depois, vários milhares de toneladas de milho são enviadas para África...
SPIEGEL: ... milho que provém predominantemente de agricultores Europeus e Americanos altamente subsidiados...
Shikwati: ... e a certa altura, este milho acaba no porto de Mombasa. Uma parte deste milho frequentemente vai directamente para as mãos de políticos sem escrúpulos que depois passam-no para a sua própria tribo de modo a fomentar a sua própria campanha eleitoral. Outra parte do carregamento vai parar ao mercado negro onde o milho é despejado a preços extremamente baixos. Agricultores locais podem muito bem desistir logo ali... Ninguém consegue competir com o Programa Mundial de Comida das NU. E porque os agricultores desaparecem face a esta pressão, o Quénia não terá reservas para se apoiar se houver de facto fome no próximo ano. É um ciclo simples mas fatal.
SPIEGEL: Se o Programa Mundial de Comida não fizesse nada, as pessoas morreriam de fome.
Shikwati: Penso que não. Caso fosse assim, os Quenianos, para variar, seriam forçados a iniciar relações de troca comerciais com o Uganda ou a Tanzânia, e a comprar a sua comida lá. Este tipo de trocas é vital para África. Obrigaria-nos a melhorar a nossa própria infraestrutura, ao mesmo tempo que faria as nossas fronteiras - feitas pelos europeus, de qualquer forma - mais permeáveis. Também nos obrigaria a estabelecer leis destinadas a favorecer o mercado económico.
SPIEGEL: Seria África realmente capaz de resolver estes problemas sozinha?
Shikwati: Claro. A fome não deveria ser um problema na maioria dos países a sul do Sahara. Adicionalmente, há vastos recursos naturais: petróleo, ouro, diamantes. África é apenas descrita como o continente do sofrimento mas a maioria dos dados são largamente exagerados. Nas nações industrializadas, existe a noção de que África não se safaria sem a ajuda para o desenvolvimento. Mas acreditem em mim, África já existia muito antes de vocês Europeus virem cá. E também não nos safávamos assim tão mal.
SPIEGEL: Mas a SIDA não existia na altura.
Shikwati: Se fossemos a acreditar em todos os relatórios horripilantes, então todos os Quenianos já deveriam estar mortos. Mas agora, testes estão a ser realizados em todo o lado e afinal de contas os números eram largamente exagerados. Não são 3 milhões de Quenianos que estão infectados. De repente, é apenas 1 milhão. A Malária é um problema de igual dimensão mas as pessoas raramente falam sobre isso.
SPIEGEL: E porque é assim?
Shikwati: A SIDA é um grande negócio, talvez o negócio maior de África. Não há nada que possa gerar tanto dinheiro da ajuda como números chocantes relativos à SIDA. A SIDA é uma doença política cá, e devemos ser muito cépticos.
SPIEGEL: Os Americanos e os Europeus já congelaram fundos previamente destinados ao Quénia. O país é demasiado corrupto, dizem eles.
Shikwati: No entanto, receio que o dinheiro seja transferido dentro de pouco tempo. No final de contas, tem que ir para algum lado. Infelizmente, a vontade devastadora dos Europeus em fazer o Bem já não pode ser contrariada com a razão. Não faz qualquer sentido que, imediatamente após o novo governo Queniano ter sido eleito - uma mudança de regime que acabou com a ditadura de Daniel arap Mois - as torneiras tenham sido subitamente abertas e rios de dinheiro tenham entrado no país.
SPIEGEL: Essa ajuda é normalmente destinada a um objectivo específico, no entanto.
Shikwati: Isso não muda nada. Milhões de dólares destinados à luta contra a SIDA encontram-se ainda guardados em contas bancárias Quenianas e não foram gastos. O antigo tirano da República Central Africana, Jean Bedel Bokassa, sintetizou cinicamente isto tudo ao dizer: "O governo Francês paga tudo no nosso país. Nós pedimos aos franceses o dinheiro. Nós recebemo-lo, e depois esbanjamo-lo".
SPIEGEL: No Ocidente, há muitos cidadãos compassivos que querem ajudar África. Todos os anos, eles doam dinheiro e põem as suas velhas roupas em sacos para enviar...
Shikwati: ... e eles inundam os nossos mercados com essas coisas. Nós podemos comprar essas roupas doadas por um preço baixo nos nossos chamados mercados Mitumba. Há alemães que gastam alguns dólares para comprar camisolas usadas do Bayern de Munique ou do Werder Bremen, ou noutras palavras, roupas que miúdos alemães enviaram para África por uma boa causa. Após comprarem estas camisolas, eles leiloam-nas no Ebay e enviam-nas de volta para a Alemanha - por três vezes o preço. É uma loucura...
SPIEGEL: ... e, esperemos, uma excepção.
Shikwati: Porque precisamos destas montanhas de roupas? Ninguém está a morrer de frio aqui. Invés disso, os nossos alfaiates estão a perder o seu sustento. Estão na mesma posição que os nossos agricultores. Ninguém no mundo Africano de baixos salários consegue reduzir os seus custos de modo a competir com os produtos doados. Em 1997, 137000 trabalhadores estavam empregados na indústria têxtil da Nigéria. Em 2003, o número tinha caído para 57000. Os resultados são iguais em todas as áreas onde ajuda esmagadora e frágeis mercados Africanos colidem.
SPIEGEL: A seguir à 2ª Guerra Mundial, a Alemanha só conseguiu erguer-se de novo porque os Americanos despejaram dinheiro no país através do Plano Marshall. Não se qualificaria isso como ajuda ao desenvolvimento bem sucedida?
Shikwati: No caso da Alemanha, só a infraestrutura destruída tinha que ser reparada. Apesar da crise económica da República Weimar, a Alemanha era um país altamente industrializado antes da guerra. Os danos criados pelo tsunami na Tailândia também pode ser reparados com algum dinheiro e alguma ajuda para a reconstrução. A África, no entanto, tem que dar os primeiros passos para a modernidade por si mesma. Tem de haver uma mudança de mentalidade. Temos de parar de olhar para nós mesmos como pedintes. Nos dias que correm, os Africanos apenas se vêem como vítimas. Por outro lado, ninguém consegue imaginar um africano como um homem de negócios. Para salvar a situação corrente, ajudaria se as organizações de ajuda se retirassem.
SPIEGEL: Se se retirassem, muitos empregos seriam imediatamente perdidos...
Shikwati: ... empregos que foram criados artificialmente em primeiro lugar e que distorcem a realidade. Empregos em Organizações de Ajuda estrangeiras são, claro, muito populares, e eles podem ser muito selectivos a escolher o melhor pessoal. Quando uma Organização de Ajuda precisa de um motorista, dúzias concorrem ao lugar. E porque é inaceitável que o motorista dos trabalhadores da organização apenas fale a sua língua tribal, é necessário um candidato que também fale Inglês fluentemente - e, idealmente, um que também tenha boas maneiras. Por isso, acaba-se por ter um bioquímico africano a transportar os trabalhadores da organização, distribuindo comida europeia e obrigando os agricultores locais a desistir dos seus trabalhos. É apenas de loucos!
SPIEGEL: O governo Alemão orgulha-se de monitorizar precisamente os recipientes dos seus fundos.
Shikwati: E qual é o resultado? Um desastre. O governo Alemão atirou dinheiro para o presidente do Ruanda, Paul Kagame. Este é um homem que tem as mortes de um milhão de pessoas na consciência - pessoas que o seu exército matou no país vizinho do Congo.
SPIEGEL: O que é suposto os Alemães fazerem?
Shikwati: Se realmente querem combater a pobreza, deviam parar imediatamente a ajuda para o desenvolvimento e dar a África a oportunidade de assegurar a sua própria sobrevivência. Presentemente, África é como uma criança que imediatamente chora e chama pela sua babysitter quando algo corre mal. África devia levantar-se e aguentar-se nos seus dois próprios pés.
07/04/2005
Entrevista feita por Thilo Thielke
Traduzido do Alemão para Inglês por Patrick Kessler e traduzido do Inglês para Português por SECUNDINO O MÍTICO